-
Sabes que árvore é esta?
-
Não.
- E
esta?
-
Não. - e bocejou.
-
Não gostas de árvores?
-
Nem por isso, o que é que há para gostar? Árvores são árvores. - olhou para
elas como se fossem a chatice petrificada.
-
Claro, árvores são árvores. E isso não é pouco...
- Eu
sei, eu sei, isso do oxigénio e do aquecimento global. Até vomito quando o meu
professor de Ciências começa a falar nisso.
-
Pois. São muito importantes por causa disso. Mas não só. Além da sua beleza
própria... Repara como são diferentes umas das outras. Esta aqui, um carvalho,
é da mesma espécie que aquela ali... As folhas são parecidas, os frutos são da
mesma forma e o pólen de uma pode fertilizar a outra. São da mesma espécie. Não
fazemos ideia se podem comunicar uma com a outra, mas sabemos que são da mesma
espécie porque, ao darem fruto, provavelmente, o fruto de uma é o fruto da
outra, sem que a outra o venha a saber alguma vez.
- E
as árvores sabem alguma coisa?
-
Claro que sabem. Duvidas? Poderá haver algo mais ignorante que uma semente? Mas
a semente sabe quando deve germinar. Sabe que deve espreguiçar a raiz para
baixo e que as folhas devem abrir apenas quando romperem a terra, em direcção à
luz. E, depois, quem somos nós para não crermos que as árvores possam ter
memórias?
-
Isto é um carvalho? - e estendeu a mão a um ramo, de onde arrancou uma folha,
como se fosse a madeixa que tinha pedido no dia anterior à menina da carteira
da frente. Hoje saíra com o irmão só para fazer o jeito. Não estava com grande
paciência para observar insectos, lagartas, ervas ou outras excentricidades que
noutra altura o teriam deliciado. O irmão tinha histórias para cada pedra, para
cada nome. Mas hoje acordara apenas com a dor no estômago de quem ainda não
recebeu a resposta que espera. Carvalho era o apelido da menina da carteira da
frente. Aquela a quem metera um bilhete meloso com meia dúzia de frases de que
agora se arrependia - podia ter dito tudo muito melhor, se tivesse pensado um
pouco mais. Até a letra lhe tinha saído tremida. Só pensava no ridículo. Estava
mesmo a ver-se a chegar à escola no dia a seguir e ela a rir-se à socapa (ou,
pior, abertamente - com os colegas a passarem o bilhetinho uns aos outros) com
as amiguinhas irritantes.
-
Sim, é um carvalho alvarinho. - disse, enquanto colhia uma flor de camomila e
logo se arrependia do gesto egoísta.
-
Gosto de carvalhos.
-
Gostas? Se nem sabias que era um carvalho...
-
Hoje passo a gostar.
Sentaram-se
num muro sobre estolhos de hera.
-
Passas a gostar?... - sorriu. - Estás apaixonado?
O
irmão sorriu para os pés.
-
Estou... E daí?
-
Então, talvez venhas a dar mais valor às árvores do que pensas. As árvores
estão geralmente associadas a histórias de amor. Histórias felizes e histórias
trágicas. Houve uma Báucis e um Filémon que se tornaram árvores por vontade dos
deuses - uma tília e um carvalho nascendo do mesmo tronco. Houve amantes que
uniram o seu sangue ao das árvores, como Píramo e Tisbe, por quem as amoras se
vestem de luto... E outras... Houve até uma Madame Bovary que julgava amar
quando apenas olhava para os ramos hesitantes da floresta...
-
Julgava amar?
-
Sim... É complicado. É uma história difícil de explicar. - e sorriu
envergonhado por ter tocado em algo que não poderia explicar em maior detalhe -
Não como as duas primeiras histórias.
- E
todas as histórias de amor têm árvores?
-
Tenho a impressão que sim.
- Tu
e a tua namorada também têm uma árvore?
O
irmão corou. Pensou nela, na varanda, a regar as flores.
-
Quem te disse que tenho uma namorada? - perguntou, com falsa indignação.
-
Ninguém. - respondeu o irmão, voltando a pensar na carteira da frente...
-
Não temos... ainda. Mas havemos de ter.
E o
irmão assentiu com a cabeça
Oi Raquel querida, lindo post, adorei, muito bonito!
ResponderExcluirTenha uma linda semana, beijos!